Curiosidades IV: Porque é que as abelhas constroem favos hexagonais?

Neste post vamos ter a oportunidade de entender um dos resultados mais fascinantes encontrados na Natureza. É sabido que as abelhas constróem as suas colmeias e, nelas, paredes de cera que é moldada para armazenar mel. A forma dos favos é bem conhecida: são incrivelmente bem aproximados por hexágonos regulares, ao longo  de filas e filas, que se juntam perfeitamente numa rede de favos perfeitamente situados. Porquê esta forma?

Usando ideias básicas de Geometria, é possível mostrar que as abelhas são mais inteligentes do que o que podemos imaginar. Elas simplesmente usam um resultado de Geometria Plana: a rede de figuras geométricas que cobre o maior espaço com a menor área é uma rede de hexágonos regulares!

A construção de alvéolos em colmeias é um processo fascinantemente simétrico e engenhoso.

Relembra-te que um polígono regular de n lados é uma figura geométrica fechada, em que todos os segmentos de recta do seu perímetro têm o mesmo comprimento e que os ângulos formados por entre eles são \alpha = \frac{360^{\circ}}{n}. O triângulo equilátero, o quadrado, o pentágono regular, etc são os exemplos canónicos.

Os polígonos regulares para n=3,4,5,6,7,8,36. Repara que a figura tende a um círculo para n = \infty.

Que tipo de polígono esperar?

Uma argumento simples para uma pergunta difícil.

Se se pensar devidamente, é fácil encontrar uma condição que limite o tipo de polígono que pode ser a solução para o problema. Ou seja, mesmo não sabendo qual polígono é o mais eficiente, é possível saber rapidamente aqueles que podem ser.

Para saber qual a soma de todos os ângulos num polígono regular, soma-se simplesmente triângulos formados por todos os segmentos que podem ser desenhados de um vértice a todos os outros.

Ângulo Interno

Primeiro, calculemos o ângulo interno \alpha em função do número de lados n.
Pensa no polígono regular de n lados e fixa um vértice. Podes sempre decompor a soma total dos ângulos internos desta maneira: do vértice que escolheste, liga-o a todos os outros vértices sobre a figura. Acabaste de criar n-2 triângulos, ligaste a todos os lados n menos a 2, que são aqueles que não resultam em triângulo algum: os vértices adjacentes ao que escolheste. É um facto que cada triângulo tem sempre soma interna de ângulos de 180 graus. Então o ângulo interno de um polígono regular é simplesmente a média da soma dos ângulos dos n-2 triângulos, S.

Ou seja \alpha = \frac{S}{n} = \frac{180(n-2)}{n}.

Para um polígono regular com n lados iguais, qual é o seu ângulo interno \theta ?

O argumento agora é facilmente exposto: quer-se que exista um polígono regular de N lados tal que a soma dos seus ângulos internos seja exactamente o máximo : 360^{\circ}. Sendo assim, temos que impor que N \alpha = 360. Então N(\frac{180(n-2)}{n} = 360. Daqui se retira que apenas certos polígonos podem conter o ângulo total nesse vértice, visto que N= \frac{2n}{n-2} tem de ser um número natural.

Repara que esta fórmula não funciona para n=1 (ponto) nem n=2 (segmento de recta). O truque agora : As soluções desta equação são fáceis e não muitas – n=3,4,6 – qualquer natural n>6 vai resultar em N não natural. O valor n=5 (pentágono) não é solução, pois N não é natural. A razão é facilmente explicada por um diagrama. Então sabemos que, a haver uma forma perfeita de cobrir o plano, ela terá de ser forçosamente um triângulo equilátero, um quadrado ou um hexágono regular.

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pentaghexag2

Quase lá!

Calculando Eficiência de Usabilidade de Área

Para saber qual é então o polígono mais eficiente, calculemos agora qual é a figura que consegue conter mais área com um círculo inscrito nela. A ideia é esta: para um círculo de raio r e para um polígono regular de lado a, que relação se pode construir entre a área do círculo A_{\circ} e a área do triângulo A_{\triangle}. Daí, constrói-se um coeficiente que dê a ideia de quão maior a área do polígono é em relação à área do círculo: \eta = \frac{A_{\circ}}{A_{\triangle}}. Assim, o menor valor encontrao de \eta dar-nos-á a solução desejada. Caso a caso:

  1. Se N=3, a figura é um triângulo equilátero, de lado a, então usando Trigonometria, retira-se que sin(30) = \frac{R}{X} onde X é a hipotenusa do triângulo da figura. Então X=2R. Com isto em mente e usando o Teorema de Pitágoras, sabe-se que (2R)^{2} = (\frac{a}{2})^{2}+ R^{2}, o que implica que a= 2 \sqrt{3}R. Então a área do triângulo é simplesmente A_{\triangle} = 2 \frac{\frac{a}{2} 3R}{2} = 3 \sqrt{3} R^{2}. Assim, o coeficiente \eta = \frac{\pi R^{2}}{3 \sqrt{3} R^{2}} \approx 0.6045.

triangulo equilátero

  • Para n=4, a figura é um quadrado. Então é-se facilmente calculado que R = \frac{a}{2}. Então A_{\square} = a^{2} = 4R^{2}. \eta é então \eta = \frac{\pi}{4} \approx 0.7854,

quadrado

  • Para n=6, a figura é um hexágono regular. Usando Trigonometria no triângulo  formado na figura, estabelece-se que sin(30) = \frac{\frac{a}{2}}{X}, sendo X a hipotenusa. Daqui sai que X=a. Aplicando de novo o Teorema de Pitágoras, tem-se que R^{2} + (\frac{a}{2})^{2} = a^{2}, o que força que a = \frac{2}{\sqrt{3}}R. Então a área do hexágono A = 12 \frac{R \frac{a}{2}}{2}= 2 \sqrt{3} R^{2}. Então \eta = \frac{\pi}{2 \sqrt{3}} \approx 0.9069

hexag

Em termos de área, o hexágono é o polígono que “menos espaço desperdiça” para conter um círculo.

Mais ainda, tanto a área como o perímetro da figura – que corresponde a uma medida de material de construção necessário – é minimizado. Repara que o perímetro do triângulo, quadrado e hexágono é respectivamente dado por 6 \sqrt{3} R, \ 8R, \ 4 \sqrt{3} R. De novo, o mínimo!

As abelhas sempre são mais espertas do que se pensava!

Um pensamento em “Curiosidades IV: Porque é que as abelhas constroem favos hexagonais?”

  1. Olá. Encontrei este Post por acaso e decidi ler. Gostei da forma como o assunto foi abordado, mas gostaria de deixar duas sugestões de caminhos a investigar.

    Em primeiro lugar, não há nenhum argumento que exclua os poligonos não regulares, embora estes tenham sido logo postos de parte. Em alguns casos, os objetos mais irregulares são os que têm as propriedades mais interessantes.

    Em segundo lugar, os favos das abelhas são “contentores” de mel. Quando o mel é depositado num qualquer recipiente, ele toma a sua forma. Assim, não me parece que a razão entre área do círculo inscrito no polígono e a área do polígono sejam o motivo da escolha do hexágono. No entanto, se analizar a razão entre a área do polígono e o seu perimetro, vai verificar que o hexágono é, dos três polígonos analizados, o mais eficiente. Assim, as abelhas, com a mesma matéria prima, conseguem produzir muitos mais favos.

    Bom trabalho.

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